Introdução
Muitos alunos me perguntam quais são as diferenças entre injúria, calúnia e difamação. Os crimes contra a honra, que encontram-se na parte especial do Código Penal, são delitos que costumeiramente caem em provas de concursos públicos. Já te adianto aqui, agora, uma super recomendação: caso você queira aprender toda a parte geral do Direito Penal, clica aqui para adquirir hoje mesmo o meu Manual Simplificado da Parte Geral!
Já se perguntou o porquê de calúnia, por exemplo, configurar crime? A sua resposta jurídica mais acertada deve ser: em razão de a Constituição Federal considerar a HONRA um bem jurídico de extrema relevância. E realmente, é. Ninguém gosta de ter a sua honra violada por terceiros. Levamos uma vida inteira para construir uma imagem social digna, aceitável para a sociedade, e muitas vezes um crime contra a honra causa danos irreversíveis à vítima, porque a ofensa injusta é propalada em um número extremamente maior do que uma eventual reparação ou pedido de desculpas do agente.
A honra é dividida em SUBJETIVA e OBJETIVA. Honra SUBJETIVA, querido criminalista, é o sentimento de apreço pessoal que a pessoa tem de si mesma. Consiste, portanto, no que a pessoa pensa acerca de si própria em relação aos seus atributos físicos, psíquicos e pessoais. É a própria autoestima da vítima, e se subdivide em honra dignidade (ligada aos atributos morais) e honra decoro (ligada aos atributos físicos e intelectuais). Por outro lado, honra OBJETIVA é aquela em que terceiros pensam acerca dos atributos e qualidades de outra pessoa. É ligada à imagem da pessoa perante o corpo social, consistindo na reputação social da pessoa.
Resumidamente, saiba o seguinte:
Calúnia → viola a honra OBJETIVA;
Difamação → viola a honra OBJETIVA;
Injúria → viola a honra SUBJETIVA;
Se você é estudante de Direito, concurseiro, advogado ou vai prestar Exame de Ordem, leia este conteúdo até o final. Vai valer a pena aprender com detalhes todos os crimes contra a honra.
Calúnia
A calúnia é a imputação falsa de fato definido como crime. Está prevista no art. 138 do CP. Vejamos:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Muita coisa importante devemos extrair do art. 138. A primeira delas é que na calúnia, imputa-se um FATO. Isso significa que, necessariamente, o agente deve imputar um fato contextualizado e determinado. Mas não só isso: exige-se que a imputação de fato determinado seja FALSA, ou seja, o agente deve saber que aquilo não aconteceu, ou se aconteceu, a vítima não foi a autora do crime.
Exemplo nº 1: Mévio, sabendo que é mentira, fala para toda a turma que Tício furtou seu celular durante a aula. Exemplo nº 2: Houve um crime de homicídio em uma pequena vila. Mévio, sabendo que Tício era inocente mas com a intenção de macular sua honra, falou para os vizinhos que o autor do homicídio era o Tício.
Nos dois exemplos acima, houve o crime de calúnia, mesmo que no primeiro exemplo o crime fora inventado, enquanto no segundo, houve crime, mas a autoria fora inventada falsamente. A calúnia fere a honra objetiva da vítima, portanto, a consumação do crime de calúnia ocorre quando terceiro toma conhecimento do fato. Não precisam ser várias pessoas, basta uma só (que não seja a vítima). Repito: a vítima do fato NÃO precisa tomar conhecimento para a consumação do crime de calúnia.
A calúnia é crime FORMAL ou de resultado cortado, portanto, dispensa a ocorrência do resultado naturalístico para a consumação do delito. Exemplo: Mévio fala para amigos de Tício que este importunou sua vizinha durante uma festa da firma. Os amigos que ouviram, no entanto, não acreditam no caluniador, pois sabem da retidão e da lisura do ofendido. Perceba que o resultado naturalístico não ocorreu, mas mesmo assim houve a consumação do crime de calúnia.
Importante reflexão: pessoa jurídica pode ser vítima do crime de calúnia? Sim, pois é dotada de honra objetiva. Basta pensarmos na hipótese de alguém imputar a uma empresa a prática de um crime ambiental.
Ressalto um ponto importante único entre os crimes contra a honra: apenas a calúnia admite sua punição contra os mortos. Porém, já que o morto não é sujeito de direitos, o sujeito passivo seriam os familiares do falecido.
A calúnia admite a exceção da verdade, ou seja, possibilita o direito de o suposto caluniador de provar que o que ele falou realmente é verdade. Em outras palavras, ele se defende da sua fala PROVANDO a veracidade. Há exceções! Não se admite prova da verdade:
▪ No caso de crime de de ação penal privada, se não houve ainda sentença irrecorrível – Assim, se o
ofendido ainda está respondendo a processo criminal, não pode o caluniador alegar a exceção da verdade;
▪ No caso de a calúnia se dirigir ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;
▪ No caso de crime de ação penal pública, caso o caluniado já tenha sido absolvido por sentença
transitada em julgado.
Difamação
Difamar é imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação. A intenção do agente é desacreditar publicamente alguém.
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Para fins de prova, sabia que a difamação é um crime comum, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo, de dano, comissivo e formal. Trata-se de uma infração penal de menor potencial ofensivo. Ponto crucial de você entender, criminalista, é que a difamação pode ser tanto de fato VERDADEIRO quanto FALSO. Exemplo de difamação: Mévio fala para amigos da firma que Tício foi trabalhar bêbado no turno da noite.
ATENÇÃO: e se a imputação for de fato definido como contravenção penal? Como o crime de calúnia é taxativo em afirmar que só configura esse crime havendo imputação de fato definido como CRIME, se o agente imputar uma contravenção penal à vítima, incidirá o crime de DIFAMAÇÃO. Exemplo: Mévio publica post nas redes sociais afirmando que Tício pratica jogo do bicho toda sexta-feira na praça.
Assim como a calúnia, a difamação também viola a honra objetiva da vítima. Portanto, consuma-se quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa dirigida à vítima. Vale lembrar que a depender da execução do crime, pode admitir a tentativa, a exemplo de um bilhete contendo imputação ofensiva à honra alheia que acaba sendo extraviada.
E cabe exceção da verdade o crime de difamação? Sim, excepcionalmente. A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. O fundamento repousa no fato de haver um interesse da coletividade em fiscalizar e criticar o correto exercício da Administração Pública. Exemplo: Mévio alega que o magistrado de determinada vara foi trabalhar bêbado e fez uma farra com as secretárias. Acaso o magistrado ajuíze ação penal por difamação, Mévio terá o direito de se defender por meio da exceção da verdade, provando que aquilo de fato tenha ocorrido.
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Injúria
Dos crimes contra a honra, a injúria é o mais diferente de todos. A injúria NÃO admite exceção da verdade em nenhuma hipótese, NÃO admite retratação e NÃO viola a honra objetiva, mas sim subjetiva.
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
O crime de injúria é comum (pode ser praticado por qualquer pessoa), de forma livre, instantâneo, unissubjetivo, de dano e formal. A sua forma simples, do caput, é infração de menor potencial ofensivo. A injúria real (que consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes) é crime de menor potencial ofensivo também, ao passo que a injúria qualificada (elementos ligados à religião, condição de pessoa idosa ou com deficiência) é de médio potencial ofensivo.
A injúria ocorre quando o agente ofende a vítima, violando sua dignidade ou decoro. Agora, você vai aprender de uma vez por todas a diferença entre a injúria e a calúnia. Vimos no início deste conteúdo que a calúnia consiste na imputação de um FATO sabidamente falso, ou seja, imputa-se à vítima uma contextualização determinada acerca de um fato criminoso. Na injúria, NÃO HÁ IMPUTAÇÃO DE FATO DETERMINADO. A injúria se caracteriza com a simples ofensa, mediante xingamento ou atribuição de uma qualidade negativa. Portanto, o pulo do gato para concursos é o seguinte: se Mévio chamar o Tício de “ladrão”, configura-se injúria ou calúnia? INJÚRIA! Não é calúnia, criminalista, porque não houve fato determinado, por mais que o termo “ladrão” remeta a furtos e roubos. Expressões descontextualizadas do tipo “corrupto”, “assediador”, “estelionatário”, configuram o crime de injúria. Se restou alguma dúvida, assista essa minha videoaula para te esclarecer.
A injúria viola a honra subjetiva, portanto, a consumação da injúria ocorre quando a própria vítima toma conhecimento da ofensa. Sobre o assunto, cabe trazer um julgado do STJ importante: O crime de injúria praticado na internet, por meio de mensagem privada que só é vista pelo remetente e pelo destinatário, é consumado no local em que a vítima toma conhecimento do conteúdo ofensivo (CC 184.269.)
Qual a diferença entre injúria racial e racismo?
A injúria qualificada está prevista no art. 140, §3º do Código Penal: § 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. A injúria qualificada obriga que a ofensa seja dirigida a pessoa ou pessoas determinadas. Antes da Lei 14.532/23, a injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência configurava o crime de injúria qualificada por preconceito. Portanto, antes, a injúria qualificada por preconceito abarcava, inclusive, a injúria racial, que é a consistente em uso de elementos ligados a raça, cor, etnia, religião e origem. Depois do advento da Lei 14.532/24, somente incide a qualificadora do §3º do art. 140 do CP se a injúria consistir na utilização de elementos referentes a RELIGIÃO ou condição de PESSOA IDOSA ou portadora de DEFICIÊNCIA.
Reitero aqui porque é importante, criminalista: a injúria racial, agora, é aquela injúria em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. Houve manifestação do princípio da continuidade normativo-típica, já que essas condutas migraram do art. 140, §3º do Código Penal para o novo tipo penal do art. 2º-A da Lei 7.716/89.
Dito isso, o questionamento fica: qual a diferença entre a injúria racial, prevista no art. 2º-A da Lei 7.716/89, e outros crimes e racismo previstos na mesma Lei? A injúria racial é crime contra a honra subjetiva, consiste em ofensa destinada a uma ou mais pessoas certas e determinadas, valendo-se o agente de elementos relacionados a raça, cor, etnia ou procedência nacional. Clássicos exemplos lamentáveis são os que comumente ocorrem em estádios de futebol, a exemplo de um torcedor chamar um jogador de macaco. Por outro viés, os outros crimes de racismo previstos na Lei 7.716/89 consistem em manifestação preconceituosa GENERALIZADA, contra TODOS de determinada cor, raça, etnia, religião ou procedência nacional, de modo que atinja um número indeterminado de pessoas. Exemplo: escola que impede criança negras de se matricularem.
ATENÇÃO: O crime de injúria racial é espécie do gênero racismo. Portanto, é imprescritível e inafiançável, conforme o artigo 5º, XLII, da Constituição. Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Resumo de crimes contra a honra:
CALÚNIA → viola a honra objetiva; imputação falsa de fato definido como crime; consumação quando terceiro toma ciência; admite exceção da verdade; admite retratação; exemplo: “você foi o autor do roubo naquela quitanda, na semana passada”;
DIFAMAÇÃO → viola a honra objetiva; imputação falsa ou verdadeira de fato ofensivo à reputação da vítima; consumação quando terceiro toma ciência; via de regra, não admite exceção da verdade, salvo em caso de funcionário público no exercício de suas funções; admite retratação; exemplo: “Maria é bicheira e além disso trabalha embriagada todos os dias”;
INJÚRIA → viola a honra subjetiva; atribuição de ofensa à dignidade ou decoro, xingamento ou qualidade negativa; consumação quando a própria vítima toma ciência; não admite exceção da verdade; não admite retratação; exemplo: “Tício, você não passa de um lixo de pessoa”.
Professor Rafael Lisbôa