Introdução
No campo do direito penal, conceitos como desistência voluntária e arrependimento eficaz desempenham papéis cruciais na análise dos comportamentos criminosos e na determinação das consequências legais associadas a eles. Embora possam parecer semelhantes à primeira vista, esses termos têm significados distintos e implicam implicações jurídicas específicas. Neste artigo, vamos explorar minuciosamente as diferenças entre desistência voluntária e arrependimento eficaz, destacando suas características distintivas e o impacto que têm no sistema jurídico.Já te adianto aqui, agora, uma super recomendação: caso você queira aprender toda a parte geral do Direito Penal, incluindo a CONSUMAÇÃO E TENTATIVA, clica aqui para adquirir hoje mesmo o meu Manual Simplificado da Parte Geral!
Tanto a desistência voluntária quanto o arrependimento eficaz são institutos que se verificam no mesmo dispositivo legal do Código Penal, qual seja, o art. 15: O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.
Se você é estudante de Direito, concurseiro, advogado ou vai prestar Exame de Ordem, leia este conteúdo até o final. Vai valer a pena aprender com detalhes as diferenças entre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz.
Desistência Voluntária: O Abandono Consciente do Crime
A desistência voluntária ocorre quando o agente, após iniciar a execução do crime, decide voluntariamente interromper sua conduta criminosa. Em outras palavras, é o ato consciente e voluntário de abandonar a prática do delito antes que este se consuma por completo. É importante destacar que na desistência voluntária o agente interrompe os atos executórios que estavam disponíveis e ao seu alcance.
A famosa Fórmula de Frank é essencial e vez ou outra aparece em provas no sentido de diferenciar a TENTATIVA da DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. O agente, na tentativa, pensa: “quero prosseguir, mas não posso“; na desistência voluntária, o agente pensa: “posso prosseguir, mas não quero“. Como falei, cai em prova! ↓
CESPE – 2017 – TRF – 1ª REGIÃO – Analista Judiciário – Área Judiciária
Acerca dos institutos penais da desistência voluntária, do arrependimento eficaz e do arrependimento posterior, julgue o item a seguir.
“De modo geral, a doutrina indica a aplicação da fórmula de Frank quando o objetivo for estabelecer a distinção entre desistência voluntária e tentativa.” [CERTO]
Via de regra, a desistência voluntária se caracteriza por uma conduta NEGATIVA, ou seja, uma abstenção. Exemplo: Mévio, com intenção de matar, atira em Tício. A vítima, após ser atingida, suplica pela sua vida, de modo que Mévio, podendo atirar para matar, se arrepende e não atira, deixando Tício viver por piedade. ATENÇÃO! Uma pergunta de prova: é possível ocorrer a desistência voluntária por meio de uma conduta POSITIVA? Sim, nos crimes omissivos impróprios. Exemplo: uma mãe quer matar seu filho e para isso deixa de nutri-lo. Quando a criança está na beira da morte, ela se arrepende e volta a alimentá-lo, impedindo o óbito.
Arrependimento Eficaz: A Neutralização do Resultado Lesivo
Por outro lado, o arrependimento eficaz refere-se à situação em que o agente, após ter iniciado a execução do crime, consegue evitar que o resultado lesivo ocorra por meio de uma ação posterior. Diferentemente da desistência voluntária, em que o agente simplesmente abandona o crime, no arrependimento eficaz, o agente toma medidas ativas para neutralizar ou evitar as consequências do delito em andamento. Essa ação posterior deve ser eficaz, ou seja, deve ter o poder de impedir a consumação do crime ou reduzir significativamente seus efeitos danosos. No arrependimento eficaz, que é também chamado de resipiscência, o agente desenvolve NOVA conduta para impedir a produção do resultado.
Exemplo elucidativo para você aprender: Mévio, querendo matar seu desafeto, oferece um saboroso cafezinho. Não sabia o coitado da vítima que Mévio havia inserido, minutos atrás, dose letal de veneno na bebida quente. A vítima, inocentemente, bebe o café e começa a convulsionar. Antes da morte, Mévio se arrepende completamente do que fez e dá o antídoto para salvar a vítima, o que de fato ocorre.
Pontos em Comum entre Desistência Voluntária e Arrependimento Eficaz
Ambos os institutos estão previstos no art. 15 do Código Penal e estimulam o direito premial (tratamento penal mais favorável): uma pena menor para aquele que se arrepende da execução do crime cometido. Quem age em desistência voluntária ou arrependimento eficaz não responde sequer pela tentativa do crime, mas sim pelos atos já praticados.
É importante também que o concurseiro sabe de uma nomenclatura jurídica que pode aparecer na sua prova: desistência voluntária e arrependimento eficaz são chamadas de “ponte de ouro“.
Qual a natureza jurídica da desistência voluntária e o arrependimento eficaz? Não é entendimento pacífico na doutrina. Há quem entenda se tratar de causa extintiva da punibilidade, como Nelson Hungria; há quem entenda se tratar de causa extintiva da culpabilidade, como Claus Roxin; mas prevalece na jurisprudência se tratar de causa excludente da TIPICIDADE, pois é afastada a tipicidade do crime INICIALMENTE DESEJADO pelo agente, permanecendo apenas a tipicidade dos atos já praticados. Considero a corrente mais acertada, pois se o agente tem o dolo inicial de matar alguém, atira na perna, desiste voluntariamente de acertar a cabeça da vítima e a deixa viva, não há mais crime de homicídio nem em sua modalidade tentada (excluiu-se a tipicidade do crime inicial), porém, permanece a tipicidade do crime de lesões corporais (art. 129, CP).
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Requisitos da Desistência Voluntária e do Arrependimento Eficaz
Ambos os institutos dependem de dois requisitos cumulativos: EFICÁCIA e VOLUNTARIEDADE.
De nada adianta um arrependimento INEFICAZ, criminalista! Concorda? Pensa no seguinte exemplo: Mévio quer matar sua namorada. Para tanto, desfere cinco facadas em sua barriga, e urrando de dor, suplica para que o agressor salve sua vida. Mévio, morrendo de medo de ir preso, pega a moça e a leva para o hospital, com a intenção de tentar salvá-la. Ao chegar no hospital, ela morre em virtude das facadas. Houve arrependimento da vítima? Sim, ele a levou ao hospital. Porém, houve INEFICÁCIA, devendo o agente responder pelo homicídio consumado (podendo incidir atenuante genérica o art. 65, inc. III, alínea “b” do CP).
Além da eficácia, deve haver voluntariedade na conduta do agente. Este ponto é crucial e muitos alunos no meu Instagram e YouTube fazem perguntas: NÃO PRECISA DE ESPONTANEIDADE, BASTA A VOLUNTARIEDADE. Como assim, Rafael? A espontaneidade é um “plus”: a iniciativa de não consumar o crime parte do próprio agente (seja por motivo altruístico, seja por medo de ir preso, seja por arrependimento qualquer). É claro que se houver espontaneidade é melhor ainda, mas não é necessária. Basta a voluntariedade: ou seja, basta que o agente se arrependa e não haja coação física ou moral. O agente pode se arrepender em razão de um conselho de sua mãe, um aviso de um amigo etc. O que não pode acontecer é o seguinte: Tício quer matar Mévio, atira nele, e quando faria o disparo final, chega um cara e aponta a arma para Tício, ameaçando atirar se por acaso ele realmente matar Mévio. Tício, pressionado, desiste de sua empreitada criminosa. Nitidamente, houve homicídio tentado, pois o crime só não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade.
Incompatibilidade com os Crimes Culposos
O arrependimento eficaz e a desistência voluntária são institutos INCOMPATÍVEIS com os crimes culposos. A questão é lógica: na culpa, apesar da conduta ser voluntária, o resultado naturalístico é involuntário. A exceção está na culpa imprópria.
Os Motivos são Importantes?
Não. Pouco importa, para o Direito Penal, quais foram os motivos que ensejaram a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Contando que tenha havido EFICÁCIA e VOLUNTARIEDADE, os motivos poderão ser piedosos, valorativos, admiráveis, éticos, morais, religiosos, afetivos, ou até mesmo receosos em suportar eventual cárcere do sistema prisional: os motivos não são relevantes.
Conclusões importantes
No âmbito do direito penal, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz desempenham um papel crucial na determinação da culpabilidade e na aplicação da justiça. Quando um indivíduo decide voluntariamente interromper a execução de um crime antes de sua consumação, ou quando, mesmo após a consumação, se arrepende sinceramente e toma medidas para reparar o dano causado, isso pode influenciar significativamente a avaliação de sua responsabilidade penal.
A desistência voluntária no direito penal reflete a capacidade do agente de exercer sua autonomia e responsabilidade moral. Ao reconhecer que suas ações estão em desacordo com a lei ou com seus próprios princípios éticos, o indivíduo opta por interromper sua conduta criminosa, assumindo as consequências de seus atos. Esse ato de autocontrole e autorreflexão pode ser considerado como um fator atenuante na determinação da pena, demonstrando um grau de consciência e respeito pela ordem jurídica.
Por sua vez, o arrependimento eficaz oferece ao infrator a possibilidade de reconhecer seus erros e buscar reparar o dano causado. Ao colaborar com as autoridades, devolvendo o produto do crime ou fornecendo informações relevantes para a investigação, o indivíduo demonstra uma disposição genuína para reparar os danos causados à vítima e à sociedade. Esse tipo de comportamento pode ser considerado como um indício de arrependimento sincero, podendo influenciar positivamente a decisão judicial em relação à pena a ser imposta.
A consideração da desistência voluntária e do arrependimento eficaz no direito penal reflete o princípio da equidade e proporcionalidade na aplicação da justiça. Reconhecer a diferença entre aqueles que reconhecem seus erros e buscam corrigi-los e aqueles que persistem na prática criminosa é essencial para garantir que as punições sejam proporcionais à gravidade do delito e à culpabilidade do agente. Nesse sentido, a lei penal deve oferecer incentivos para a renúncia voluntária ao crime e para a reparação dos danos causados, promovendo assim a ressocialização do infrator e a restauração do equilíbrio social.
Em suma, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz representam mecanismos importantes para promover a responsabilização dos infratores e a resolução de conflitos no sistema jurídico. Ao reconhecer e valorizar a manifestação genuína de consciência e reparação, o direito penal demonstra sua capacidade de equilibrar os interesses da sociedade na punição dos criminosos com os princípios de justiça restaurativa e ressocialização. Assim, ao invés de apenas reprimir a conduta criminosa, o sistema jurídico busca também oferecer oportunidades para a reconciliação e reabilitação dos envolvidos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica.
Professor Rafael Lisbôa, especialista em Direito Penal e Processo Penal